Carl Sagan - Um universo que não foi feito para nós



Nossos antepassados compreendiam suas origens extrapolando a partir de sua própria experiência. Como poderia ser de outra maneira? Assim, o Universo nasceu de um ovo cósmico, foi concebido pela relação sexual de um deus-mãe e um deus-pai, ou é um produto da oficina do Criador – talvez a última de muitas tentativas fracassadas. E o Universo não era muito maior que o alcance de nossa vista, nem muito mais antigo que nossos registros escritos ou orais, nem qualquer uma de suas partes era muito diferente dos lugares que conhecíamos.

Em nossas cosmologias tendemos a tornar as coisas familiares. Apesar de todos os nossos esforços não temos sido muito inventivos. No ocidente o Céu é plácido e macio e o Inferno lembra o interior de um vulcão. Em muitas histórias os dois reinos são governados por hierarquias chefiadas por deuses ou demônios. Os monoteístas falavam do rei dos reis. Em toda e qualquer cultura imaginamos o Universo governado por algo parecido com nosso próprio sistema político.

Poucos acharam a similaridade suspeita...

Então surgiu a ciência e nos ensinou que não imaginadas o Universo não é obrigado a se adaptar ao que consideramos confortável e plausível. Aprendemos alguma coisa sobre a natureza diossincrática de nosso bom senso. A ciência levou a autoconsciência humana a um nível mais elevado. Esse é certamente um rito de passagem, um passo para a maturidade.

Contrasta fortemente com a infantilidade e o narcisismo de nossas noções pré-copernicanas.

Mas por que desejaríamos pensar que o Universo foi feito para nós? Por que é tão atraente esta idéia? Por que as alimentamos? A nossa auto-estima é assim tão precária que precisa de nada menos do que um universo feito sob medida para nós?


Trecho do livro "Pálido ponto azul" de 1994.





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